Início NACIONAIS Guilherme Cavallari Quase tudo o que você precisa saber sobre bikepacking

Quase tudo o que você precisa saber sobre bikepacking

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TEXTO: Guilherme Cavallari
FOTOS: Guilherme Cavallari (Expedição Mongólia Bikepacking 2019)

Recentemente, numa série de lives que fiz na minha página no INSTAGRAM, respondi diversas boas perguntas de seguidores sobre bikepacking. Selecionei as melhores perguntas e acrescentei outras que acho importantes aqui nessa sessão de perguntas e respostas. Obviamente, não está tudo respondido, mas as dúvidas abaixo me parecem as mais comuns.

P: Qual a diferença entre bikepacking e cicloturismo?
R: Na verdade, não existe diferença. As duas modalidades definem a mesma coisa: viajar de bicicleta. O que aconteceu foi que recentemente o cicloturismo foi subdividido em categorias menores. Surgiram novas tecnologias de bicicleta e de acessórios, como bolsas específicas, que tornaram algumas alternativas de viagens de bicicleta mais acessíveis e viáveis. Antes, fazer cicloturismo de mountain bike por trilhas técnicas, por lugares remotos e sem estrutura turística alguma, era complicado. Os alforjes tradicionais não têm bom desempenho nessas situações, bike trailers são grandes e pesados demais. A versão mais enxuta do cicloturismo, chamada de bikepacking, tem proposta minimalista. Em vez de alforjes, usa-se bolsas menores, bem fixadas às bikes, impermeáveis, robustas e resistentes. Nessa onda de avanço tecnológico, surgiram barracas menores e mais leves com a mesma eficiência de suas irmãs pesadas e volumosas. Alguns sites internacionais gostam de definir bikepacking como “a união das técnicas e da tecnologia do mountain bike com as técnicas e a tecnologia do trekking ultraleve”. Faz sentido. O resultado foi que, o mercado ciclístico, em especial nos EUA e na Europa, entende o bikepacking como viagens autônomas e autossuficientes de bicicleta por ambientes naturais, em contato estreito com a natureza. O que pressupõe acampamentos selvagens, trilhas em qualquer estado, carregar toda a comida, navegar por conta própria e explorar regiões antes inacessíveis à bicicleta. Em outras palavras, o bikepacking seria um tipo de “cicloturismo de aventura”, mais off-road, mais eficiente no sentido de possibilitar fazer maior quilometragem em tempo menor. Uma parte do público do cicloturismo convencional, que transita prioritariamente por estradas de asfalto em ambientes urbanos, dormindo em hotéis e pousadas, comendo em restaurantes, acabou optando também pela solução minimalista do bikepacking simplesmente para poder viajar mais leve. Então, dá pra chamar o bikepacking também de “cicloturismo minimalista”. Mas, essencialmente, cicloturismo e bikepacking são sinônimos.

P: Quando o bikepacking passa a ser mais vantajoso que o cicloturismo com alforjes?
R: É possível fazer bikepacking com alforjes e é possível fazer cicloturismo com apenas uma mochila nas costas ou com bolsas específicas de bikepacking. Os dois conceitos, cicloturismo e bikepacking, são sinônimos e indicam a mesma atividade: viajar de bicicleta.

O bikepacking, no sentido de cicloturismo de aventura, minimalista, mais enxuto, será mais eficiente em terrenos mais rústicos, off-road, por trilhas técnicas e por lugares mais remotos e sem estrutura alguma. Os alfojes tradicionais são grandes, volumosos e pesados demais para terem um bom desempenho em estradas de terra em condições precárias ou em trilhas técnicas.

O fato dos alforjes ficaram pendurados nas laterais da bike também atrapalha o equilíbrio e a dirigibilidade. Tudo isso é resolvido com as bolsas minimalistas do bikepacking, tornando a experiência de viajar de bicicleta por terreno rústico mais prazerosa e bem mais eficiente.

Quem já pedalou por estradas de terra ruins, com muitos buracos, pedras soltas e valetas, sabe que alforjes não são estáveis e essa é uma diferença importante em relação às bolsas de bikepacking, que são (ou deveriam ser) extremamente estáveis. Em trilhas e em singletracks isso piora ainda mais. A resposta à pergunta então seria: o estilo bikepacking de cicloturismo, com bolsas menores, mais leves, bem presas à estrutura da bicicleta, sem bagageiros, é mais vantajoso quando o caminho fica ruim e quando estamos em situação de expedição, explorando terreno desconhecido, quando menos peso e menos volume são questões essenciais.

P: A bicicleta para bikepacking é diferente da bicicleta para cicloturismo ou mountain bike esportivo?
R: Não necessariamente. Levando-se em conta que uma mountain bike é a bicicleta mais versátil que existe, pois permite pedalar por qualquer tipo de trilha e também no asfalto, não é preciso ter uma bicicleta para bikepacking, outra para cicloturismo e outra ainda para mountain bike esportivo. O bikepacking, no entanto, quando usado em todo seu potencial de expedição e exploração, exige um equipamento mais robusto, mais simples e mais resistente que o mountain bike esportivo.

O bikepacking também pede, se levado ao seu uso potencial máximo, uma bicicleta mais leve, mais versátil, mais robusta e mais resistente que uma bike simples de cicloturismo convencional. Portanto, não faz muito sentido num quadro ultratecnológico de carbono, que é mais delicado, para o bikepacking; nem faz muito sentido numa bike full-suspension (suspensão nas duas rodas), que apesar de mais confortável, também está mais passível de problemas mecânicos pelo excesso de tecnologia. Assim, um quadro rígido de alumínio está ótimo para o bikepacking, com componentes resistentes, eficientes e de boa qualidade.

P: Quadros de aço (cromo-molibdênio) são mais apropriados ao bikepacking do que quadros de alumínio?
R: Quadros de cromo-molibdênio (Cromolly, em inglês) são eficientes, embora sejam mais pesados e enferrujarem. A história de que quadros de cromo podem ser soldados em qualquer lugar, enquanto quadros de alumínio são muito difíceis de soldar, e por isso são melhores em bikepacking, pressupões que quadros de alumínio quebram mais facilmente — o que não é verdade. Quadros de cromo são mais delicados que quadros de alumínio e quebram com mais frequência. A diferença entre os dois materiais está na sensação de conforto ao pedalar.

O cromo-molibdênio absorve mais impactos e vibrações, enquanto o alumínio transfere esses mesmos impactos e vibrações para ao ciclista. Um tipo de conforto sutil que é facilmente alcançado com uma boa suspensão dianteira ou com pneus mais largos. Outro material de quadro bastante interessante para o bikepacking é o titânio, que não enferruja igual ao alumínio e é mais flexível e mais confortável do que o cromo. O problema é que é bem caro, difícil e encontrar e caso quebre exigirá um tipo de solda ainda mais rara de e encontrar. Minha opinião sincera? Quadros rígidos de alumínio são a resposta mais econômica, segura e eficiente facilmente disponível no Brasil.

P: Qual seria a bicicleta ideal para bikepacking, levando-se em consideração o baixo poder aquisitivo do brasileiro médio?
R: Pergunta difícil de responder, porque “ideal” é subjetivo e relativo e acaba se confrontando com o “real”, que inclui, por exemplo, o propósito da bicicleta e o poder aquisitivo do ciclista. Vou tentar ser o mais prático e objetivo na resposta. Bikepacking, na sua versão mais comum, não é esporte competitivo (existem corridas autossuficiente de bikepacking, mas elas não são a forma mais popular do esporte), então a bike não precisa ser ultraleve e ultratecnológica. Bikepacking enquanto estilo de cicloturismo, enquanto modo de viajar e explorar em duas rodas e sem motor, requer um equipamento que seja um misto de leve, resistente, confiável e eficiente. Assim, existem alguns parâmetros que acho essenciais:

1) O material do quadro deve ser leve, confiável e resistente, assim não faz sentido quadros de carbono, por esses serem mais delicados. Melhor quadros de alumínio ou cromo-molibdênio (liga de aço). Alumínio é o material mais fácil de encontrar, mais resistente e econômico, embora também existam quadros caros desse material. Cromo-molibdênio (cromolly, em inglês) é um material mais pesado, mais flexível (proporciona uma pedalada mais confortável por adsorver mais os impactos), porém quebra com mais facilidade, enferruja e é mais difícil de encontrar no Brasil em qualidade boa. Entre um e outro, fico com o alumínio.

2) Hoje em dia não vejo muito sentido em bikes com aro 26, já que esse tamanho está praticamente extinto (já está difícil encontrar pneus bons nesse tamanho), então sugiro aro 29 por ser o mais comum hoje no mundo.

3) Por uma questão de simplicidade, de robustez, de durabilidade e de confiabilidade, não acho que faça sentido uma bike full-suspension (suspensão nas duas rodas), isso aumenta o peso da bike e aumenta o risco de panes mecânicas. A suspensão traseira também ocupa o espaço no meio do triângulo do quadro, essencial em expedições para transporte de equipamento e mantimentos.

4) Em termos de componentes, recomendo a marca mundialmente hegemônica: Shimano. Ela é a mais fácil de encontrar peças de reposição. Dentre os vários grupos Shimano, recomendo o grupo Deore como “qualidade mínima”. Grupos inferiores, como Altus, Acera e Alívio, são de uso misto urbano e terra, menos resistentes e menos confiáveis. Acima de Deore tudo fica mais caro, mais leve e também mais eficiente. Se o poder aquisitivo não for um grande impedimento, recomendo o grupo Shimano XT, por considerar o melhor, o mais resistente e o segundo da lista de qualidade da marca, abaixo apenas do grupo XTR, usado por profissionais competitivos.

5) Suspensão dianteira é importante pela segurança e pelo conforto oferecidos, mas aumenta peso e risco de pane mecânica. Garfos rígidos são ótima opção, além de econômicos. Bons garfos de fibra de carbono, diferentemente dos quadros, são mais resistentes que garfos de alumínio e cromo-molibdênio, embora sejam bem caros. Entre garfo rígido de alumínio e cromolly, prefiro cromolly por oferecer mais conforto na pedalada. Se for optar por usar suspensão dianteira, invista em qualidade e confiabilidade. Se essa peça quebrar em viagem, acaba a brincadeira.

6) Em expedições longas por lugares remotos, prefiro freios a disco mecânicos no lugar de freios a disco hidráulicos por conta da maior facilidade de manutenção. Freios de aro (estilo V-Brake) já não fazem o menor sentido, eles gastam o aro com o tempo e, caso haja um acidente e a roda fique empenada, o freio deixa de funcionar.

7) Presto especial atenção, em especial para expedições longas e exigentes, na qualidade das rodas. Esse item é o mais propenso a problemas mecânicos em bikepacking, por conta do peso extra de equipamento, água e alimentos transportados na bicicleta. A bike de expedição que usei na travessia da Mongólia em 2019, por exemplo, tem um par de rodas de “enduro”, uma modalidade de mountain bike que prevê saltos e descidas técnicas. Não são rodas de downhill, que seriam pesadas demais, mas são rodas mais resistentes que as rodas superleves do mountain bike competitivo. Pneus “tubeless” ou convencionais, com câmaras de ar, são uma questão de opção pessoal. Gosto da combinação de pneus mais largos (2.8 a 3 polegadas), sem câmaras, com pressão de ar baixa, junto com um quadro rígido de alumínio e um garfo de fibra de carbono. O conjunto oferece conforto, leveza e durabilidade.

8) Por fim, prefiro pedais de encaixe a pedais de plataforma pelo enorme aumento de desempenho que eles oferecem. Se faço um roteiro de bikepacking multiesporte, onde vou fazer trekking e montanhismo também, opto então por pedais plataforma para evitar ter que levar dois pares de calçados.

P: Uma bicicleta gravel seria ideal para bikepacking?
R: Depende. Bikes gravel são um meio termo entre mountain bikes e bikes de estrada, chamadas de speed no Brasil. Portanto, elas não desempenham bem em trilhas muito técnicas e não desempenham bem em asfalto. Seu terreno favorito é estradas de terra. Nesse ambiente elas desempenham melhor do que mountain bikes, por conta de sua geometria, favorecendo maior velocidade e mais conforto. Então se o ciclista de bikepacking vai pedalar exclusivamente ou preferencialmente por estradas de terra, uma gravel bike pode ser o ideal. Mas se o ciclista for mais versátil, pedalar por diferentes terrenos, inclusive por trilhas mais técnicas, uma gravel vai deixar a desejar. Eu, por exemplo, só teria uma gravel como uma segunda ou terceira bike, não como minha principal bicicleta. A principal razão do prestígio e atual visibilidade da gravel se dá por conta das inúmeros provas de bikepacking competitivo que acontecem no mundo, onde atletas percorrem enormes distâncias em tempos cada vez menores. Portanto, gravel bikes estão mais relacionados ao desempenho em provas de alta resistência, chamadas ultra-endurance no universo do bikepacking competitivo, do que com o bikepacking de turismo ou exploração.

P: Bolsas de bikepacking precisam ser impermeáveis? Todas elas ou só algumas?
R: Bolsas de bikepacking que não são impermeáveis vão exigir algum cuidado extra para impermeabilizar o equipamento transportado dentro delas. Roupas e saco de dormir, por exemplo, são itens que exigem proteção máxima contra água. É possível fazer essa impermeabilização usando sacos de plástico, sacos de lixo e de supermercado, que praticamente não têm custo. Mas em viagens de bikepacking mais longas, acima de uma semana, por exemplo, o manuseio diário desses sacos plásticos vai acabar rasgando essas proteções. Sacos plásticos também não são ecologicamente corretos e devem ser evitados por quem tem consciência ambiental. Bolsas estanques, que são duráveis e substituem os sacos plásticos perfeitamente, podem ser tão caras quanto as próprias bolsas de bikepacking, além de acrescentarem peso e volume ao conjunto. Bolsas de bikepacking impermeáveis protegem não apenas de chuva, de travessias de rios pela água, mas também do pó da estrada. Eu tenho usado um bolsa de selim impermeável para toda minha roupa e outra bolsa impermeável, de guidão, para meu acampamento, que inclui o saco de dormir. Já minha bolsa de quadro, onde transporto alimentos e a cozinha, não é impermeável. Alimentos vêm embalados e muitos, como latas, podem molhar sem problema. Havendo possibilidade, acho que bolsas impermeáveis são mais seguras, mais eficientes e têm melhor desempenho em viagens, embora sejam bem mais caras. Mas, no Brasil, o fator poder aquisitivo tem que ser levado em conta e alternativas de equipamento devem ser pensadas para a inclusão socioeconômica de todos. Sacos plásticos amarrados ao guidão servem como bolsa de guidão e uma mochila nas costas completam o sistema necessário para se fazer bikepacking com o mínimo de eficiência.

P: Barracas ou sacos de bivaque? Qual é a melhor opção de acampamento em bikepacking?
R: As duas opções são ótimas! Hoje em dia existem barracas tradicionais — autoportantes (que ficam em pé sozinhas, armadas), três estações (projetadas para o verão, a primavera e o outono no hemisfério norte, ou seja para um pouco de neve e para temperaturas negativas não extremas), de parede dupla (com sobreteto impermeável separada do corpo da barraca) — leves o suficiente para servirem aos propósitos minimalistas do bikepacking. Hoje, considero leves barracas para duas pessoas com até 1,2 kg de peso total e barracas para uma pessoa de até 1 kg. Acima desses pesos, tudo começa a ficar pesado. Já sacos de bivaque podem pesar apenas 400 g ou menos. Não existe abrigo completo de dormir mais leve que isso. Acontece que sacos de bivaque não são acolhedores, não permitem que o campista cozinhe dentro deles, troque de roupa ou faça muitas atividades além de apenas dormir. Nem ler ou escrever no saco de bivaque é muito viável. Às vezes é recomendável completar o saco de bivaque com um toldo, que pode pesar outros 400 g, chegando muito próximo ao peso de uma barraca ultraleve para uma pessoa.

A grande vantagem do saco de bivaque é a possibilidade de dormir em qualquer canto (eu já dormi debaixo da carroceria de um caminhão abandonado, por exemplo), a rapidez de montagem e desmontagem, o minimalismo extremo de peso e volume. Nisso o bivaque é imbatível. Mas pra expedições longas, de muitas semanas ou meses, acho o desconforto demasiado. Uma terceira possibilidade de abrigo para dormir que não deve ser descartado é a rede de dormir. Um conjunto completo com rede, mosquiteiro e toldo, no entanto, vai pesar mais ou menos a mesma coisa que uma barraca ultraleve para uma ou para duas pessoas, dependendo da qualidade da rede de dormir. Em resumo, eu diria que o saco de bivaque deveria ser a segunda opção de todo bikepacker, sendo a barraca a primeira.

P: Como deve ser o treinamento físico para uma viagem de bikepacking?
R: Pergunta muito difícil de responder porque depende de uma série de variantes. Primeiro, depende do ciclista, de sua condição de saúde geral, seu condicionamento físico, idade, a qualidade de seu equipamento (bikes e equipamento de acampamento mais pesados vão exigir mais do ciclista), etc. Segundo, depende do roteiro de bikepacking proposto, sua distância total, o tempo disponível para percorrer o roteiro, o tipo de relevo (com mais ou menos subidas), a qualidade do solo (asfalto, terra batida, trilha técnica), a disponibilidade de água (ter que carregar muitos litros de água por conta da escassez local aumenta muito o desgaste físico do ciclista), o clima, etc. No CURSO DE BIKEPACKING que ministro no REFÚGIO KALAPALO, nossa escola de aventura em Gonçalves )MG), na Serra da Mantiqueira, obrigo os candidatos a preencherem ficha de inscrição individual, que depois avalio, entre outras coisas, a condição de saúde e o nível de condicionamento físico de cada um antes de liberar a inscrição. Acho que os critérios que uso nessa situação podem ajudar a entender o tipo de treinamento físico que o bikepacking demanda. Analiso a relação “peso x altura” do candidato. Faço uma análise bem amadora e simples, comparo altura e peso, se alguém tem 1,80 m e pesa 80 kg, considero “bom”, basta tirar o 1 da frente da altura e os ver os decimais, se são iguais ou próximos disso, considero “OK”. Se o peso está muito abaixo, concluo que a pessoa é magra ou pode ser “fraca”, com baixa densidade muscular. Se os decimais de altura estiverem muito acima dos decimais do peso, a pessoa está com sobrepeso. Obviamente, sei que existem fórmulas mais complexas e mais precisas para se fazer esse cálculo, mas para o propósito que pretendo, esse método tem se mostrado eficiente). Analiso então o formulário médico do candidato, se tem alguma problema crônico de saúde, se faz uso de remédios regulares, se já sofreu cirurgias. Por último, analiso a rotina de treinamento físico, que peço para ser preenchida em detalhe. Alguém, por exemplo, que usa a bicicleta como meio de transporte fazendo 20 km por dia, ida e volta, em ambiente urbano e relativamente plano, sendo essa sua única atividade física, geralmente é reprovada e não pode se inscrever no curso. Alguém que corre duas ou três vezes por semana pelo menos 6 kg e faz academia mais duas vezes por semana, é aprovado com louvor. O que busco são pessoas fisicamente ativas, que fazem exercício físicos de pelo menos uma hora de duração, pelo menos cinco vezes por semana. Isso já considero OK para realizar o curso, que não tem exigência física extrema. Para uma expedição didática, como aquelas que organizo para a Patagônia ou aqui na Serra da Mantiqueira, onde vivo, a nota de corte é mais alta. Então, resumindo, o treinamento físico para uma viagem de bikepacking não precisa ser específico, na minha opinião, ele pode ser misto e variado, com várias atividades físicas regulares (jogar tênis duas vezes por semana, fazer yoga duas vezes por semana e correr duas vezes por semana, por exemplo). Mas se não houver ao menos uma atividade física regular aeróbia, que induza ao aumento da capacidade cardiovascular, a exigência do bikepacking vai colocar a pessoa muito fora de sua zona de conforto. Acho que o bom-senso é o mestre nessa resposta, embora eu entenda que muita gente nunca fez viagens de bicicleta e não tenha parâmetros para avaliar a própria condição física. Na dúvida, procure um educar físico e faça uma avaliação.

 P: Que roteiros são recomendados para uma primeira experiência em bikepacking?
R: Essa é exatamente minha área de talvez maior especialidade! Durante 15 anos, meu trabalho consistiu basicamente em descobrir, criar e mapear roteiros de mountain bike e cicloturismo off-road (nome que eu dava antes de surgir o termo bikepacking). Tenho 11 livros com roteiros minuciosamente descritos e mapeados, publicados pela KALAPALO EDITORA, empresa que fundei e dirijo desde 2001. Na coleção GUIA DE TRILHAS ENCICLOPÉDIA (de oito volumes, sendo que o volume 1 está esgotado) mapeei oito roteiro de bikepacking de 3 a 5 dias de duração. Um roteiro por volume da coleção, que podem ser feitos com pernoite em pousadas e hotéis simples e refeições em restaurantes, ou podem ser feitos com acampamentos selvagens. Os livros descrevem os roteiros prevendo noites em cidades ou pousadas ao longo do caminho, mas acampar selvagem no interior do Brasil é seguro e tranquilo. Esses roteiros, mapeados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Santa Catarina, formam uma excelente base de experiência. Tenho também roteiros bem mais longos mapeados em outros três livros. No GUIA DE TRILHAS CICLOMANTIQUEIRA, criei um percurso de 1.168 km de extensão, divididos em 30 dias de viagem, com média diária em torno de 40 km, só por estradas de terra, que conecta toda a crista da Serra da Mantiqueira, nos estados de SP, MG e RJ. O roteiro é desenhado em quatro anéis conectados, o que significa que pode ser feito em quatro etapas. Ou seja, percursos de 5 a 8 dias mais ou menos. Esse roteiro conecta as principais atrações naturais, cidades e vilas turísticas ao longo de toda a Serra da Mantiqueira. Numa ponta está Extrema (MG), na outra ponta está Conceição do Ibitipoca (MG), no meio do caminho estão: Monte Verde, Pedra do Baú, Parque Nacional do Itatiaia, Campos do Jordão, Visconde de Mauá, Maria da Fé, Parque Estadual do Ibitipoca, São Francisco Xavier, etc. No livro GUIA DE TRILHAS SERRA GERAL (BLUGRAMA), criei e mapeei um roteiro de 1.611 km de extensão, mapeado em 32 dias, nos mesmos moldes do livro anterior. Esse percurso está dividido em quatro anéis também, foi pensado para que o ciclista pernoitasse em hotéis e pousadas, mas pode naturalmente ser feito com acampamentos selvagens. BLUGRAMA conecta Blumenau (SC) a Gramado (RS), ida e volta por caminhos diferentes, só por estradas de terra, conectando no trajeto o Vale Europeu, a Serra Catarinense, a Serra Gaúcha, os parques nacionais e cânions. O melhor do sul do Brasil. No livro GUIA DE TRILHAS CARRETERA AUSTRAL, mapeei os 1.689 km da famosa Ruta-7, Carretera Austral, uma estrada em sua maior parte de terra batida e cascalho que conecta quase toda a Patagônia chilena. Esse roteiro está no topo da lista de cicloturistas e bikepackers do mundo inteiro e fica aqui no quintal do Brasil. Esse livro foi pensado para viagem mista de pernoite em hotéis e pousadas e acampamentos selvagens, já que algumas distâncias entre cidades e vilas são longas demais para serem feitas num só dia. No caminho há geleiras, florestas de árvores gigantes, fiordes, praias, cidades com boa estrutura de turismo, vilas simples e muita cultura local. Além do mapeamento minucioso da Carretera Austral, o livro também traz o mapeamento de roteiros de trekking, caminhada em contato com a natureza, em parques e reservas nacionais ao longo do percurso. Esses livros e esses roteiros mapeados formam um patrimônio para o bikepacking nacional e garantem beleza cênica, riqueza cultural e segurança (obviamente não existe garantia nesse sentido) para aventureiros darem seus primeiros passos, ou pedaladas, sem medo. Além dessas sugestões, existem inúmeras outras possibilidades, próximas ao local de residência de cada brasileiro, que necessitam de maior pesquisa prévia antes de serem atacados como projetos viáveis de bikepacking. Minha proposta é: usem os roteiros que mapeei como um caminho de aprendizado, depois disso vocês estarão aptos a voarem solo.

 P: Que medidas preventivas de segurança devem ser adotadas para a prática do bikepacking?
R: Em primeiro lugar, estar bem de saúde e fisicamente preparado para o roteiro escolhido. Em segundo lugar, tenha o equipamento necessário e apropriado. Em terceiro e último lugar, tenha as informações, habilidades e técnicas necessárias para o desafio. A imensa maioria dos problemas e acidentes em viagens de bikepacking estão associados com algum tipo de despreparo do viajante em um ou todos os três fatores mencionados. Para alcançar bom desempenho nesses três passos não tem muito segredo, só muito trabalho. Estar com vacinas em dia, adequadas aos lugares a serem visitados é um passo importante. No Brasil, febre amarela por exemplo, é uma obrigação em todo o território nacional. Ter uma vida ativa, com atividade física regular diária, boa alimentação, boas noites de sono e pouco estresse são sinônimos de saúde. O equipamento necessário já foi brevemente descrito na pergunta sobre a bike ideal, mas é preciso prestar especial atenção à qualidade do saco de dormir, das roupas impermeáveis e das roupas térmicas. Um kit de primeiros socorros é importante, mas não adianta ter uma farmácia a bordo e não saber técnicas básicas de socorrismo e primeiro atendimento, inclusive para nós mesmos. Saber navegação é essencial se escolhemos roteiros mais selvagens e não sinalizados, livros técnicos são mais confiáveis nesse sentido do que aparelhos eletrônicos, que podem sofrer panes e parar de funcionar. Técnicas de acampamento selvagem de mínimo impacto ambiental são fundamentais e fazem parte da própria definição do bikepacking. Um aparelho de rastreamento pessoal via satélite, como os produtos na linha SPOT, é recomendável para quem explora regiões isoladas e inóspitas, faz viagens mais longas ou simplesmente faz trilhas regularmente. Todos esses passos devem ser encarados não como desafios ou trabalho chato, mas sim como um processo de desenvolvimento pessoal. Quem tem essa perspectiva clara na mente vai desfrutar muito mais da atividade de bikepacking, que inclui a construção lenta e sólida de experiências, conhecimentos e aquisição de equipamento.

P: Onde aprender o bikepacking de forma segura e eficiente no Brasil?
R: Como já foi mencionado, ministro um CURSO DE BIKEPACKING no REFÚGIO KALAPALO, nossa escola de aventura em Gonçalves (MG), na Serra da Mantiqueira, onde vivo. Esse curso, em média, dura três dias com dois pernoites em nosso refúgio e um acampamento selvagem. No curso são ensinadas técnicas de identificação, escolha e uso de equipamento de bikepacking como: barraca, saco de dormir, isolante térmico, roupas técnicas, cozinha de acampamento, etc. Ensinamos mecânica básica de bicicleta, como: conserto de pneus e câmaras de ar, conserto e troca de corrente, conserto e troca de pastilhas de freio, etc. Ensinamos princípios básicos de bike-fit, ou ajustar a bicicletas para a ergonomia de cada um. Ensinamos como transportar tudo na bike usando bolsas apropriadas de bikepacking ou bolsas improvisadas. Ensinamos técnicas básicas de navegação e técnicas básicas de primeiros socorros. No curso fazemos deslocamento em trilha técnica, com singletrack (trilha estreita), muita subida e descida numa região montanhosa e exigente, com a bike carregada para uma expedição autossuficiente. Fazemos também acampamento selvagem de mínimo impacto ambiental com total autonomia e autossuficiência por uma noite. Todo o equipamento de acampamento e as bolsas improvisadas de bikepacking são fornecidas por nós, tudo de marcas de ponta que apoiam nossos projetos (Deuter, Sea to Summit, Ortlieb, Azteq, etc.) e sem custo adicional ao aluno. Não fornecemos bicicletas e não aceitamos alunos sem alguma experiência em mountain bike e bom condicionamento físico. Nosso curso não é introdutório a curiosos, mas uma experiência de imersão a pessoas já apresentadas ao universo do ciclismo off-road. Não é preciso ser atleta ou ter vasta experiência em mountain bike para fazer nosso CURSO DE BIKEPACKING. Mais informações em nosso site: www.kalapalo.com.br.

P: Que outra literatura e outras referências são indicadas para pesquisa?
R: Sem falsa modéstia (que é pior do que a arrogância, porque trata o público como burros), recomendo o material que eu mesmo produzi, que conheço profundamente e que sei que está alinhado com o que se produz de mais moderno e atualizado hoje no mundo. Recomendo que se assista ao filme-documentário TRANSPATAGÔNIA, dirigido por Cauê Steinberg. O filme ganhou o Prêmio do Público no Rio Mountain Festival de 2015 e passou 18 meses em cartaz no Netflix América Latina. O longa-metragem está disponível hoje no GOOGLE PLAY e no ITUNES. Recomendo também o filme-documentário HIGHLANDS, também dirigido por Cauê Steinberg, disponível no Youtube. Recomendo o livro MANUAL DE MOUNTAIN BIKE & CICLOTURISMO, de minha autoria, que contém vasto material de pesquisa importante na formação de melhores mountain bikers e melhores bikepackers. Recomendo o livro TRANSPATAGÔNIA: PUMAS NÃO COMEM CICLISTAS, de minha autoria, que cumpre um importante papel de inspirar, além de instruir. Outros livros e filmes de interesse estão listados, explicados e disponíveis para compra no site da KALAPALO EDITORA.